Parei em frente da janela para olhar para fora. Céu despido e tudo à volta coberto de sol. Um clarão. Nada escapa à luz, como um mundo subjugado ou rendido.
E perguntei-me: Porque nos agitamos tanto para nos fazermos entender? Se afinal, tudo o que permanece é silencioso e quieto - simplesmente é e não apenas está (ao qual é inerente o movimento e o tempo).
Lembro a propósito, o meu professor de língua alemã a perguntar porque haveríamos de ter dois verbos para dizer o mesmo - ser e estar. E eu a perguntar como não se entenderia uma diferença tão pouco subtil...
A linguagem e o modo como ela influencia o pensamento. Ou será o contrário?...
Dois momentos se destacam nas minhas primeiras memórias, porque só meus:
A primeira imagem que retive, talvez no primeiro ano, como se tivesse chegado ao mundo naquele momento e não num qualquer anterior - a primeira vez que tive consciência que existia.
E a primeira vez que me apercebi do pensamento, que eu falava comigo numa voz só minha - a primeira vez que tive consciência da minha individualidade.
Isso tudo me parece independente da bagagem que a linguagem nos traz, mas desde esses primeiros momentos até esta pessoa saturada de linguagem adquirida, quanto foi o pensamento sendo moldado?
Bom seria aprender todas as línguas. Ou melhor, todas as linguagens, já que cada língua tem o seu próprio sistema, uma filosofia.
Levar-nos-ia isso ao silêncio?...
Levar-nos-ia isso ao silêncio?...
E então cá estou, ainda em frente à janela.
Lá fora, tudo continua em aceitação do que é perene.
Aqui dentro, as perguntas agitam-se, e eu venho escrever. Nem sei porquê, venho apenas. Enquanto não avanço no caminho do silêncio (fala-maior), busco pistas na fala dos homens.
Ainda que espelho baço, em comparação. Mas a escrita é o mais próximo que tenho do silêncio.
Ainda que espelho baço, em comparação. Mas a escrita é o mais próximo que tenho do silêncio.
apesar de tudo... não te afastes da janela para o interior da casa..
ResponderEliminar"Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
...
Mas o dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olhou-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, e eu deixarei versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?),
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário."
Pessoa
Já não lia Pessoa há imenso tempo.
Eliminarsão dois excertos da Tabacaria que pareciam próximos da tua angústia da relação entre as palavras e aquela coisa à volta delas chamada realidade.... mas, na verdade.. que seu eu das tuas angústias?.. (quase nada)
ResponderEliminarÉ um facto. Estas são mais perguntas que angústias, na verdade. Dessas, poucos são os que sabem.
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