(fonte aqui) |
O caminho é sempre estreito, o norte é sempre longínquo.
Mas embora todos nós caminhemos, poucos de nós viajam.
Talvez levássemos uma vida mais preenchida e compreendida, se o fizéssemos. Se tivéssemos a disposição de conhecer o Outro - o outro espaço, o outro tempo, o outro ser.
Não é preciso levar a vida de Bashô, apenas ver como ele.
Quando Bashô escreve, o tempo já foi abolido, porque ele vê o que permanece, o que veio de ontem, o que ficará amanhã - como tão bem o diz Quignard, produz um curto-circuito. E nesse curto-circuito tudo é ao mesmo tempo (assim como se o aleph estivesse em nós). São assim os poemas que escreve (e que só poderiam ser haiku), e é assim o relato da sua viagem.
Ao visitar muitos lugares cantados em velhos poemas, quase sempre as colinas se achataram, os rios secaram, os caminhos desapareceram, as pedras se cobriram de hera e árvores novas substituem as velhas e veneráveis. O tempo passa e passam as gerações e, nada, nem os seus vestígios, são certos. No entanto, aqui, os olhos contemplavam com certeza recordações milenárias e chegavam até nós os pensamentos dos homens de então. Poder contemplar os testemunhos do passado é um dos privilégios dos peregrinos. O prazer de viver fez-me esquecer o cansaço da viagem e quase me fez chorar.
Matsuo Bashô, in O Caminho Estreito para o Longínquo Norte
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