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Da beleza #3


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Tinha mãos de pianista e ouvido para a música, mas nunca aprendeu a tocar piano. Tinha pernas de bailarina, mas não sabia dançar.
Um dia alguém sonhou, e ela apareceu.
Não se sabe de onde ela veio, criatura efémera e estranha que vivia à superfície das coisas, sem profundidades de onde tirar tesouros. Os que a olhavam, pouco viam, porque não lhe encontravam as cores com facilidade.
Figurinha do avesso de conto de fadas, não houve príncipe ou plebeu que lhe tivesse descoberto a beleza.
Teria bastado que apenas um te tivesse nomeado para te transformares numa pessoa de verdade.




Et j'étais déjà si mauvais poète
que je ne savais pas aller jusqu'au bout.

Blaise Cendrars,
La prose du Transsibérien et de la Petite Jehanne de France

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