Hoje foi a última vez que subi a calçada para entrar na minha biblioteca.
Senhores de reinos invasores tomaram para si o edifício cor-de-rosa onde passei horas da mesma cor.
Dizem-me que as coisas mudam, e eu aceito. É uma inevitabilidade da vida, e é bom que exista.
Mas a morte de uma biblioteca nunca é uma coisa positiva; e se a palavra parece demasiado forte, ainda assim é como o sinto - e nem preciso percorrer o caminho que fala dos livros que deixam de estar disponíveis aos olhos dos leitores-aprendizes, e que por isso os não vão poder guiar; e muito menos o das políticas que levaram a este fim.
Basta-me olhar o edifício que tornava a minha biblioteca tão bonita, e caminhar no soalho que range ecos de quando era uma casa nobre. Basta-me sentar numa das mesas encostadas às janelas de vidros pequenos, por onde a luz parecia entrar suavemente, sem fazer barulho, para ler junto com as pessoas.
E saber que foi a última vez.
Basta-me ver a tristeza nos rostos dos funcionários. Não há nada mais triste que um sorriso triste.
Vê-los a arrumar os livros para a mudança, era como se estivessem a sangrar a biblioteca e a pedirem-lhe desculpa.
Para qualquer outra pessoa, nada disto terá talvez importância. E um dia mais tarde, quem sabe se não lhes darei razão.
Mas, sem dar por isso, acabo sempre por pensar na presença do transitório no duradouro. E a perguntar-me o que ficará da biblioteca e das suas pessoas, quando aquelas paredes guardarem coisas menos valiosas. Será que alguém ouvirá o soalho a ranger os nossos ecos?
(A Yourcenar escreveria certamente na perfeição sobre isso)
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