Avançar para o conteúdo principal

Poema à noite

Ela penteia o seu cabelo como se penteia o dos mortos:
traz os cacos azuis debaixo da camisa.
Traz os cacos do mundo num cordão.
Ela sabe as palavras mas limita-se a sorrir.
Mistura o seu sorriso no cálice de vinho:
tens de o beber, para estar no mundo.
Tu és a imagem que os cacos lhe mostram
quando ela, pensativa, se inclina sobre a vida.


Paul Celan

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Divagação #3 (sobre quartos)

O lugar perfeito para escrever sobre um quarto que seja seu, é na casa de outros. O dia propício, é aquele que inicia com um superior de hierarquia familiar a colocar-te  no lugar que, segundo ele, te pertence - o da obediência à sua vontade. Já repeti que por vezes os livros nos são tão próximos, que não há o que escrever sobre eles. Ou haverá, apenas não lhe sentimos a necessidade; são mais sentidos que pensados, se o posso dizer. Um quarto que seja seu , de Virginia Woolf, apesar de tudo, não é um desses. Não sei se existirão muitos livros que se aproximem com tanta perspicácia de questões que já coloquei sobre um assunto específico, de situações gritantes ou subtis das quais já me apercebi. Que retrate mesmo parte da minha realidade exterior. E ainda assim, leio-o sem grande emoção. Se calhar mesmo porque já pensei no mesmo; porque a situação da mulher na sociedade vem-me sendo mostrada a partir de casa, porque tenho bons exemplos das dificuldades colocadas às mul...

On reading

André Kertész , 1969 (fonte aqui)

Instantâneo #22

Sobe indolente o gato para as costas do sofá. Como um monte de folhas secas, espalha-se o corpo numa figura amorfa onde deixa de se distinguir o começo e o fim. Cansado ou desinteressado, ou cansado de tão desinteressado, ali fica. Se levanta a cabeça, é para olhar a chuva lá fora, ou algum gato que passa sentindo no pelo o que ele nunca sentiu.