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Não são os sapatos que fazem barulho no chão

(não são os sapatos que fazem barulho no chão, é o chão que ressoa na gente)

António Lobo Antunes, in Que Cavalos São Aqueles Que Fazem Sombra No Mar?


Se esta casa fosse mais vazia, seria menos oca. Se fosse mais silenciosa, ouvir-se-ia o som em vez dos barulhos.
Uma casa mais leve, onde entrasse a luz no verão e a sombra no inverno, misturadas as duas nas cores frescas da primavera e nas outonais quentes. Uma casa aberta. Onde o barulho dos sapatos no chão seria este a ressoar em mim - ouvindo a voz dos objectos, sentindo-lhes a vida (assim ao jeito da Llansol).
Povoariam livremente o silêncio da minha casa, as personagens que vivem dentro de mim nos sonhos; passearíamos pelos problemas insolúveis da vida ao longo de noites inteiras (que lindas são as palavras do Nuno Bragança), e sem dúvida eu escreveria tudo num caderno, porque tenho a mania dos apontamentos.

Entrariam amigos de prosa e café (como diz um deles), deixando na saída rastos nas coisas a acrescentar-lhes vida. E eu ficaria sozinha com todo o meu mundo a acompanhar-me.



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