Avançar para o conteúdo principal

As pessoas nos objectos

Viagem interior
Alguém escreveu que o livro da Patti Smith, M Train, é como uma carta que se recebe de um amigo.
Acho uma boa descrição. 
Quando li o Just Kids, aconteceu-me sentir-me próxima o suficiente do que lia para não conseguir ou não precisar de escrever sobre ele. Neste, é ela que parece aproximar-se - como uma amiga que nos escreve sobre si.
E uma carta é para ler, não para ser comentada, por isso nem sei o que estou aqui a fazer.

Possivelmente a divagar, ainda meio embrenhada nos cafés e nas suas mesas, nas máquinas fotográficas, nos livros e nos gatos, tudo parte de um mundo onde de certo modo também pertenço.
Uma coisa em especial me ficou desta carta - os objectos. Não tanto eles mesmos, mas a importância que lhes é dada.
Demorei muito tempo para conseguir superar a incapacidade de me libertar dos objectos (ou de os libertar a eles de mim) que fossilizam e se tornam apenas peso, mas a nossa proximidade não se alterou, continuo (tal como a Patti) a falar com eles, continuo a guardar alguns como guardiões de memória, ou depositários de poderes pessoais.

Acho que é nisto que me sinto mais próxima da Patti Smith - a relação que ela tem com os objectos não é a do invejoso, é a do que vê o rasto do ser humano em tudo o que ele toca.








Comentários

Mensagens populares deste blogue

Divagação #3 (sobre quartos)

O lugar perfeito para escrever sobre um quarto que seja seu, é na casa de outros. O dia propício, é aquele que inicia com um superior de hierarquia familiar a colocar-te  no lugar que, segundo ele, te pertence - o da obediência à sua vontade. Já repeti que por vezes os livros nos são tão próximos, que não há o que escrever sobre eles. Ou haverá, apenas não lhe sentimos a necessidade; são mais sentidos que pensados, se o posso dizer. Um quarto que seja seu , de Virginia Woolf, apesar de tudo, não é um desses. Não sei se existirão muitos livros que se aproximem com tanta perspicácia de questões que já coloquei sobre um assunto específico, de situações gritantes ou subtis das quais já me apercebi. Que retrate mesmo parte da minha realidade exterior. E ainda assim, leio-o sem grande emoção. Se calhar mesmo porque já pensei no mesmo; porque a situação da mulher na sociedade vem-me sendo mostrada a partir de casa, porque tenho bons exemplos das dificuldades colocadas às mul...

On reading

André Kertész , 1969 (fonte aqui)

Eu não durmo

(fonte aqui) Eu não durmo, respiro apenas como a raiz sombria  dos astros: raia a laceração sangrenta,   estancada entre o sexo   e a garganta. Eu nunca   durmo,   com a ferida do meu próprio sono.   Às vezes movo as mãos para suster a luz que salta   da boca. Ou a veia negra que irrompe dessa estrela   selvagem implantada   no meio da carne, como no fundo da noite   o buraco forte   do sangue. A veia que me corta de ponta a ponta,   que arrasta todo o escuro do mundo   para a cabeça. Às vezes mexo os dedos como se as unhas   se alumiassem. (...) Nunca sei onde é a noite: uma sala como uma pálpebra negra separa a barragem da luz que suporta a terra. (...) Herberto Helder , Walpurgisnacht