Avançar para o conteúdo principal

Pedaços de mim na fala dos outros #2

(Z) ana:

"(...)
Os meus familiares puseram-se todos a chamar-me irresponsável (foi esta madrugada que descobri isso) quando comecei espontaneamente a manifestar uma vocação de liberdade. Quando, por pôr em causa as grades, comecei a contender com os meus companheiros de prisão que as aceitavam, e até cumpriam regras prisionais; como as que impõem aos detidos que velem pela conservação da sua cela, especialmente pela solidez da porta e das grades.

(...)

Assim eu sonho o meu primeiro livro. No qual não faria outra coisa senão este ir ao fundo necessário para arpoar a forma possível. A minha forma, evidentemente.
No dia em que este primeiro passo tiver sido dado começarei a ser eu. Na prosa como em toda a parte. Ou seja em toda a parte porque com prosa minha, descoberta.

(...)

Quando tenho uma relação sexual integralmente triunfante, sinto-me como quem peregrinou ao coração da Terra. O Tempo que pára, essa coisa da noite transformada oh Deus. (...)"

Nuno Bragança, in A Noite e o Riso


Comentários

Mensagens populares deste blogue

Eu não durmo

(fonte aqui) Eu não durmo, respiro apenas como a raiz sombria  dos astros: raia a laceração sangrenta,   estancada entre o sexo   e a garganta. Eu nunca   durmo,   com a ferida do meu próprio sono.   Às vezes movo as mãos para suster a luz que salta   da boca. Ou a veia negra que irrompe dessa estrela   selvagem implantada   no meio da carne, como no fundo da noite   o buraco forte   do sangue. A veia que me corta de ponta a ponta,   que arrasta todo o escuro do mundo   para a cabeça. Às vezes mexo os dedos como se as unhas   se alumiassem. (...) Nunca sei onde é a noite: uma sala como uma pálpebra negra separa a barragem da luz que suporta a terra. (...) Herberto Helder , Walpurgisnacht

Poema à noite #17

Esparsa Não vejo o rosto a ninguém,  cuidais que sou, e não sou.  Sombras que não vão nem vêm,  parece que avante vão.  Entre o doente e o são  mente cada passo a espia;  no meio do claro dia  andais entre lobo e cão.  Sá de Miranda , in  Antologia Poética  

Quem tem medo do Lobo Antunes?

E a chuva não caía, não havia «gotas que acrescentavam vidro ao vidro deformando as roseiras à medida que desciam». Mas os troncos caminhavam para trás na viagem de regresso a Lisboa, enquanto Lobo Antunes invocava fantasmas fechados numa gaveta feita de páginas. Na verdade, não sei se ele os invoca ou se são eles que o escolhem para lhes dar voz, mas deve haver qualquer tipo de transferência entre escritor e personagens, para que lhes consiga chegar tão fundo. Ler António Lobo Antunes não é para meninos; não é para quem gosta de ler histórias, mas para quem quer ler pessoas ( Os romances maus contam histórias, os romances bons mostram-nos a nós mesmos ). É para quem não tem medo de enfrentar o interior de personagens que espelham pedaços de nós (não nas acções; nas fraquezas, nos pensamentos que não gostamos de admitir nem a nós mesmos). É para quem não tem medo de não saber o que dizer dos seus livros, mas tem a coragem de mergulhar neles. Porque afinal, é impossível f