Avançar para o conteúdo principal

Mensagens

A mostrar mensagens de julho, 2015

Pedaços de mim na fala dos outros #19

O CHÃO Às vezes acontece-me sentir que o chão existe simultaneamente em vários níveis, como se, poisando eu neles os pés, me interceptasse ao mesmo tempo os tornozelos, os joelhos, a cintura, e, mais abaixo que os primeiros, em diversos outros planos continuasse a caprichar nesse exercício, de tal forma que, por fim, também eu acabasse por me ver multiplicado, distribuindo pés por todos eles, pisando a um só tempo vários níveis, transparentes uns, opacos outros, procurando o próprio cerne da linguagem que, maleável, permeável e o que mais quisermos de adjectivos que a aproximem desse chão, o torna possível, sustentável, e me faz andar sobre ele como o Messias sobre as águas. Luís Miguel Nava , Rebentação , in Poesia Completa 1979-1 994

Instantâneo #14

Entrei na carruagem do metro reparando que ia um homem a ler, à janela. Do meu fraco ângulo, parecia ler Enquanto Lisboa Arde, o Rio de Janeiro Pega Fogo . Absorto na leitura durante toda a minha viagem, pensei ser um conhecido desconhecido. Talvez fosse, talvez não. Eu saí, ele continuou. À distância.

Moanin'

(parêntesis) #31

Há uma certa insatisfação quando se tem na mão, num único volume, a obra completa de um escritor. A poesia completa de Luís Miguel Nava cabe num livro de menos de trezentas páginas, e eu não deixo de me perguntar por que caminhos ele seguiria se tivesse continuado a escrever. O que talvez seja estúpido. Tenho com Nava, a mesma sensação que tive com Bragança - escrita injustamente esquecida, a ser descoberta por leitores verdadeiros.

Da beleza #17

O comboio pára mesmo à saída de Nápoles onde compro um sumo fresco espremido de tangerinas e entro em Pompeia. Não podia ter imaginado a sua magnitude. Pilares brilhantes inundados de céu. Templos onde a luz do sol brilha em feixes brancos e parece irradiar de dentro das pedras. Algumas histórias requerem esquecimento. Outras, crença rigorosa. Mas creio que algumas histórias nos habitam. Nas cidades mais elevadas do cérebro, até as mais silenciosas ardem. Uma Fonte no Quintal: Antologia , Eric Weinstein/ Jeremy Schmall/ Katherine Larson/ Stephen Motika/ Tracy K. Smith

Da beleza #16

(fonte aqui) Luz. Eterno fascínio.

Música à noite #21

Música do dia

Pequenas coisas que salvam um dia

Nas pequenas coisas que salvam um dia, contam-se: A visão da luz entre as folhas verde-claro de uma árvore; Um pedido para fazer um trabalho de que se gosta; Ler o livro da Patti Smith; Ver uma exposição de Dalí num centro comercial e perder-me pelos traços e cores da sua Divina Comédia.

Resumo do dia (modo Kafka):

(fonte aqui)

Crepúsculo

O CREPÚSCULO Ao sol começa a faltar lenha, a rua por onde agora eu sigo vai só até onde a memória a conseguir abrir. Luís Miguel Nava , in Poesia Completa 1979-1994

Destes dias

Música à noite #20

Da disposição #14

(fonte aqui)

Palavra Forte

Ainda não não há dinheiro para partir de vez não há espaço demais para ficar ainda não se pode abrir uma veia e morrer antes de alguém chegar ainda não há uma flor na boca para os poetas que estão aqui de passagem e outra escarlate na alma para os postos à margem ainda não há nada no pulmão direito ainda não se respira como devia ser ainda não é por isso que choramos às vezes e que outras somos heróis a valer ainda não é a pátria que é uma maçada nem estar deste lado que custa a cabeça ainda não é uma escada e outra escada depois para descer à frente de quem quer que desça ainda não há cama só para pesadelos ainda não se ama só no chão ainda não há uma granada ainda não há um coração António José Forte , in  Surrealismo Abjeccionismo

Pedaços de mim na fala dos outros #18

La Jetée , Chris Marker (1962) (fonte aqui) Já tinha visto, revi. Irei ver de novo. Este filme entra em mim como a mão numa luva. Original Em inglês

(parêntesis) #28

Quando era criança, queria sempre correr mais do que as pernas me permitiam. Agora, quero sempre ler mais do que aquilo que o meu cérebro me deixa. Mas a cada passo e a cada folha, vou esticando os limites.

Música à noite #19

Pascal Quignard e eu #2

"Coire" é o verbo romano que significa o amor. "Ire" é ir. "Coire" quer dizer caminhar juntos. Argumento 1: pretendo que o coito é a única deslocação dos humanos fora da visão. Porque mesmo em sonho, de noite, a espécie humana e numerosos mamíferos persistem na visão apesar da escuridão que os envolve e do sono ao qual se entregam. Mas onde vão eles juntos no coito? Ninguém o sabe. Pascal Quignard , in Vida Secreta Espero arranjar este livro em breve. Quignard chama por mim mesmo à distância.

Da beleza #15

(fonte aqui)

Da disposição #12

Da beleza #14

(fonte aqui)

Poema à noite #3

Agora juntas ao teu peso tudo o que é leve, agora desmascaras o sempre nomeado mas sem nome, agora mandas os martelos- -mecânicos, os fura-sílabas, para debaixo do esporão daquele que te leva a saltar para o outro lado da ardilosa madeira da sebe, agora escreves. Paul Celan , in A Morte é uma Flor

Do ouvir

Ouvia-o a arrastar os objectos, a mudá-los de lugar como se os atacasse, a falar sozinho - cacofonias insuportáveis, vazias e repetitivas. E pensava, no meio do meu silêncio ferido:  O barulho dissonante é um substituto da solidão. Muito diferente do som - conteúdo vertido de alguém; fala. Muito diferente do silêncio - estar em si.