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A mostrar mensagens de novembro, 2014

Saturação

Nu descendant un escalier Marcel Duchamp (fonte aqui) Há uma personagem de um livro que a certa altura diz que se sente como a figura da obra de Marcel Duchamp,  Nu descendant un escalier . Acho que foi n' Os Detectives Selvagens , do Bolaño, mas se calhar estou a dizer uma enormidade, porque não tenho a certeza se foi. Não importa. O que quero dizer, é que hoje é um dos vários dias em que também eu me sinto como a pintura de Duchamp. Em movimento, mas indefinível porque multiplicada. Não me perguntem quem sou, que não sei dizer. De tantas ideias, saturei-me e depois dissipei-me. Não sei quem escreve estas palavras.

Instantâneo

A primeira coisa que vi foi o rasgão no sapato. Depois, vi um rasgão no ser. Parecia seguir com os solavancos do comboio como com os solavancos da vida - sem interesse. Tanto importava se a próxima estação fosse só mais uma ou a última. Tinha um trólei com um rasgão maior do que o do sapato, donde se derramavam sacos de plástico cheios de coisas certamente tão numerosas quanto inúteis, porque esquecidas como ela. Esfregava com o dedo o papel de uma raspadinha, talvez à espera do génio, mas mesmo esse se esquecia dela.

Do lado do coração

Hoje é isto: Das editoras do lado esquerdo; com coração. Porque quando encontras uma flor no deserto, ela tem mais valor. O meu coração estremece.

Da beleza #3

ballerinaproject_ Tinha mãos de pianista e ouvido para a música, mas nunca aprendeu a tocar piano. Tinha pernas de bailarina, mas não sabia dançar. Um dia alguém sonhou, e ela apareceu. Não se sabe de onde ela veio, criatura efémera e estranha que vivia à superfície das coisas, sem profundidades de onde tirar tesouros. Os que a olhavam, pouco viam, porque não lhe encontravam as cores com facilidade. Figurinha do avesso de conto de fadas, não houve príncipe ou plebeu que lhe tivesse descoberto a beleza. Teria bastado que apenas um te tivesse nomeado para te transformares numa pessoa de verdade. Et j'étais déjà si mauvais poète que je ne savais pas aller jusqu'au bout. Blaise Cendrars , La prose du Transsibérien et de la Petite Jehanne de France

Da disposição #2

(fonte aqui)

Do cansaço

(fonte aqui) Ele diz melhor do que eu.

Da disposição

(fonte aqui) Hoje estou numa de Bartleby. Mas vou fazê-lo.

Do orgulho

Não tenho orgulho em ti. Não me leves a mal, mas só o som da palavra me desagrada, está carregada de armadilhas. Quando alguém diz que tem orgulho de outro, na verdade está a falar de si e não desse - estar orgulhoso é a fala do egoísmo. Estou orgulhoso de ti diz nas entrelinhas Fizeste algo que eu aprovo e de que gosto , e por entre essas, se fizeres alguma coisa que eu desaprove, o orgulho vai transformar-se em decepção . A decepção cria ressentimento, sombras começam a surgir mesmo que ainda haja muita luz. Vê bem como se pode estar orgulhoso de alguém por uma coisa que essa pessoa não teve prazer algum em fazer, que a fez sentir-se miserável - ainda que tenha agradado tanto a quem se orgulha. E se a fez feliz, é uma coisa só sua, os outros não poderão reclamá-la. Far-me-ei entender?... Tu vales por quem és; os teus gestos valem no momento - daqui a uns anos, nem tu nem eu lhes daremos a mesma importância. Tu és maior do que aquilo que fazes, e não me deves nada. Por

Da beleza #2

(fonte aqui) A Leitora A leitora abre o espaço num sopro subtil. Lê na violência e no espanto da brancura. Principia apaixonada, de surpresa em surpresa.  Ilumina e inunda e dissemina de arco em arco. Ela fala com as pedras do livro, com as sílabas da sombra. Ela adere à matéria porosa, à madeira do vento. Desce pelos bosques como uma menina descalça. Aproxima-se das praias onde o corpo se eleva em chama de água. Na imaculada superfície ou na espessura latejante, despe-se das formas, branca no ar. É um torvelinho harmonioso, um pássaro suspenso. A terra ergue-se inteira na sede obscura de palavras verticais. A água move-se até ao seu princípio puro. O poema é um arbusto que não cessa de tremer. António Ramos Rosa A leitora em mim sorri como se amasse e fosse correspondida.

Da procrastinação

Daria (fonte aqui) É isto. Continuo ocupada.

Elevação

Grande sorte é Grande sorte é não se saber exactamente em que mundo se vive. Seria necessária uma existência longuíssima, decididamente mais longa que a do próprio mundo. Ao menos para comparar conhecermos outros mundos. Erguermo-nos para lá do corpo que nada sabe fazer tão bem como limitar  e criar obstáculos. A bem das pesquisas, da clareza da imagem e das conclusões finais, elevarmo-nos para lá do tempo, no qual tudo em turbilhão se precipita. Nesta perspectiva, desistam para sempre de detalhes e episódios. Contar os dias da semana deveria parecer um acto sem sentido, pôr uma carta no correio, capricho de louca mocidade, a tabuleta «não pisar a relva», uma tabuleta estúpida. Wislawa Szymborska

Da escrita

Teolinda Gersão , Os Guarda-Chuvas Cintilantes Um amigo colocou hoje isto ao alcance da minha vista. Eu li e pensei: Tenho de "roubar" isto.

Deitar cedo e cedo erguer

Demasiadas vezes. Pode dar saúde, mas não me parece que faça crescer. Já iria para lá dos 2 metros.

Pedaços de mim na fala dos outros #2

(Z) ana: "(...) Os meus familiares puseram-se todos a chamar-me irresponsável (foi esta madrugada que descobri isso) quando comecei espontaneamente a manifestar uma vocação de liberdade. Quando, por pôr em causa as grades, comecei a contender com os meus companheiros de prisão que as aceitavam, e até cumpriam regras prisionais; como as que impõem aos detidos que velem pela conservação da sua cela, especialmente pela solidez da porta e das grades. (...) Assim eu sonho o meu primeiro livro. No qual não faria outra coisa senão este ir ao fundo necessário para arpoar a forma possível. A minha forma, evidentemente. No dia em que este primeiro passo tiver sido dado começarei a ser eu. Na prosa como em toda a parte. Ou seja em toda a parte porque com prosa minha, descoberta. (...) Quando tenho uma relação sexual integralmente triunfante, sinto-me como quem peregrinou ao coração da Terra. O Tempo que pára, essa coisa da noite transformada oh Deus. (...)"

Coisas de que gosto

Existem coisas de que gosto como se fossem pedaços de mim. Como gosto das minhas mãos ou dos meus olhos. Porque me definem, fazem de mim quem sou, porque são ligação para o exterior e para o outro. Estão em mim, ou eu nelas - não sei onde a fronteira começa ou sequer se ela existe. Os livros são bom exemplo desses pedaços, talvez o melhor de todos. Magia, à falta de palavra melhor, inclusa numa forma assim "por comodidade de transporte e arrumação" (palavra de Nuno Bragança). Magia portátil, as palavras de um outro a mostrarem-te quem tu és, e como o outro és tu também. Quanto do que tu és, livro, sou eu também? Quanto da minha individualidade faz parte do universal? Magia, repito. Abrir as páginas de um livro é um gesto irresistivelmente perigoso.

" Tem faísca "

Entrevista a António Lobo Antunes - Jornal Público É por isto que gosto de Lobo Antunes. Se calhar poderia comentar as palavras dele; mas para quê acrescentar coisas supérfluas? "Tem faísca" resume bem. 

I would prefer to

Terminei a leitura de Bartleby , de Melville. Livro pequeno com um mundo (a humanidade) dentro. Bartleby, carta perdida que chegou quando não havia mais o lugar para onde chegar. (Que lugar é o teu, quando não tens para onde ir?...) Bartleby prefere não o fazer, mas a sua liberdade é vazia e pálida como ele mesmo. Eu prefiro fazê-lo. E contraponho: Possibilities I prefer movies. I prefer cats. I prefer the oaks along the Warta. I prefer Dickens to Dostoyevsky. I prefer myself liking people to myself loving mankind. I prefer keeping a needle and thread on hand, just in case. I prefer the color green. I prefer not to maintain that reason is to blame for everything. I prefer exceptions. I prefer to leave early. I prefer talking to doctors about something else. I prefer the old fine-lined illustrations. I prefer the absurdity of writing poems to the absurdity of not writing poems. I prefer, where love's concerned, nonspecific anniversaries that can be celebrated every day. I

Se os conselhos fossem bons, davam-se num blog (#2)

(fonte aqui)

Resumo do dia:

(fonte aqui)

A paz de Guerra

CANTO VIGÉSIMO SEGUNDO Quando no outono as árvores estavam nuas uma tarde uma nuvem de pássaros exaustos poisou sobre os ramos. Pareciam ter regressado as folhas baloiçando ao vento. Tonino Guerra , in O Mel