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Mensagens

A mostrar mensagens de março, 2015

Recado #10

(fonte aqui) Importante NÃO ESQUECER.

Da beleza #8

Resumo do dia:

Hoje o silêncio é ainda mais copioso do que o habitual como se um cristal de gelo tivesse sido quebrado; nada ouço e tudo ouço neste silêncio estranho a conhecimentos que é o meu eterno horizonte neste dia sem mês e sem ano (...) Maria Gabriela Llansol , in Na Casa de Julho e Agosto

Dentro do movimento

Hoje lembrei-me do quanto gosto deste senhor.

Da disposição #6

(fonte aqui)

Alta vocação

V Apenas te digo o ouro de uma palavra no meio da névoa, formosura inclinada sobre a cinza descerrada e o frio dos retratos. Espero que a seiva ascenda a um puro gosto de reaver tua grave cabeça de mãe com platina entre a aragem. Que se inspire na seiva o vermelho de uma face adormecendo no vinho, acordando para o início das primaveras. Peço que os dedos não esqueçam o pão e a tristeza e a boca vibre como um pensamento na substância de um instante carnal, irremovível. E se morrer é a alta vocação das manhãs marcadas pelas uvas - peço, mãe um dia composta sobre a veemente confusão das forças e dos números, que resguardes entre as descuidadas dobras de pedra o fulgor de onde plátanos e aves recebiam a doce e dolorosa vida da beleza. Rente ao tempo que nos cobria de previsão e silêncio, arrefecem os sentidos sobre o teu rosto selado. Pequena e imensa coisa no alto das águas, no fundo de sementes desmemoriadas - mãe engolfada no leite renascente, para ti se elevam lábios tocados pelo sumo

Da beleza #7

Na origem da beleza está unicamente a ferida, singular, diferente para cada qual, escondida ou visível, que todos os homens guardam dentro de si, preservada, e onde se refugiam ao pretenderem trocar o mundo por uma solidão temporária mas profunda. Fora de miserabilismos. A arte de Giacometti parece querer revelar essa ferida secreta dos seres e das coisas, para que ela os ilumine. Jean Genet , in O Estúdio de Alberto Giacometti Alberto Giacometti no seu estúdio em Paris (fonte aqui)

Do mental

Não sou essencialmente cerebral, nem sequer uma pessoa muito racional. Sigo muito mais um fio intuitivo, espontâneo, emocional, do que aquele que o meu pensamento, por vezes demasiado insistente, me fornece. Mas a minha parte mental tem um peso capital em mim. Tenho consciência que tudo deriva dela, tudo nela nasce. Aquilo que apreendo é alimento necessário, ponto de partida para tudo o resto. Se a minha mente não for estimulada, nada mais se acende em mim. A não ser talvez uma fraca luz de emergência. O meu pensamento é o passado da minha emoção futura. Se isto fizer sentido para alguém. É uma mistura quase completamente indestrinçável. Talvez então seja por isso que tenha gostado tanto do ensaio de Paul Valéry no final do seu O Cemitério Marinho , quanto do poema em sim. Acho que me revi um bocadinho, diferenças (e dimensões) à parte. Fascina-me a ideia da obra nunca acabada, pelo trabalho em si, e por ser reflexo provavelmente mais verdadeiro do autor. Ser ela própria

A importância do poema

O POEMA ENSINA A CAIR O poema ensina a cair sobre os vários solos desde perder o chão repentino sob os pés como se perde os sentidos numa queda de amor, ao encontro do cabo onde a terra abate e a fecunda ausência excede até à queda vinda da lenta volúpia de cair, quando a face atinge o solo numa curva delgada subtil uma vénia a ninguém de especial ou especialmente a nós uma homenagem póstuma . Luiza Neto Jorge , in O Seu a Seu Tempo

Na gaveta da escrivaninha #2

Dizem que num rio, a água que corre nunca é a mesma. Que sempre se renova, escorrendo desde o seu nascimento até à inevitável foz, inexoravelmente. Olhando um rio, veríamos a vida do Homem passar no tempo, como se nos olhássemos de fora. Contamos o tempo pelo passar das águas, pelo cair das folhas, pela viagem que o sol faz ao longo do céu; por todo o movimento que no alcance dos nossos olhos nos parece finito, iniciado e acabado. Dizem que a história do Homem segue uma linha a direito, nunca igual, como o rio que corre. Mas se ele não se detém, é sempre água que nele corre. As águas do tempo em que navego, são vastas e circulares; as suas margens, o fora e o dentro. Uma espécie de Estige invulnerável, onde se faz o voto inominável de sempre voltar. Nessa água de incontáveis gotas, fui todos os homens que já viveram, sou a semente dos que estão por vir; estive nuns como estarei nos outros, e vejo-nos regressar incessantemente ao início, filhos do caos amorfo com o divino t

Da Primavera

III Spring is like a perhaps hand (which comes carefully out of Nowhere)arranging  a window,into which people look(while people stare arranging and changing placing carefully there a strange thing and a known thing here)and changing everything carefully spring is like a perhaps Hand in a window (carefully to and fro moving New and Old things,while people stare carefully moving a perhaps fraction of flower here placing an inch of air there)and without breaking anything. E. E. Cummings , in The Complete Poems

Pascal Quignard e eu

Livros pequenos devem ser lidos devagar, com maior atenção. São mais próximos das pessoas, requerem tempo para se darem a conhecer nas subtilezas, nos pormenores. Li Tous les matins du monde , de Pascal Quignard, lentamente, como que ouvindo o silêncio da história tanto quanto as palavras e a música. Três falas, sendo que a língua talvez fosse a menos perfeita. Mas não a escrita do senhor Quignard. Não sei que encantamento ele me lança com a trama da sua escrita, que sob a história se desfiam os fios que a constroem. E desdobram-se pensamentos cá por dentro. Tão pouco ele escreve, tanto me diz. Já tenho saudades deste livro triste, de manhãs sem regresso e do peso do vazio que elas deixam. De ausências e da solidão. De música e de beleza. Porque não fiquei triste ao lê-lo. Fiquei mais preenchida.

Bucólica

Saí de Lisboa descendo uma escada em caracol até às minhas raízes - para o interior do tempo e de mim. Lugares escondidos em silêncios pesados, onde as pedras nos montes entoam mantras e os riachos murmuram lições por entre as mimosas floridas - explosões amarelas para onde quer que olhe. Mais perto, outras árvores em flor falam de si: a sofisticação das magnólias, a alegria das ameixeiras, a doçura delicada dos pessegueiros. E o humor atrevido daquelas que, ainda caladas, me puxam os cabelos com os dedos despidos. Colho tangerinas brilhantes de sumo na luz do sol maduro e reparo que o tempo ali é o mesmo de quando era criança - dilatado, imenso, sem data no calendário. Confundo-me com o lugar, não sei se as minhas raízes não serão as mesmas que as daquelas árvores.

Se os conselhos fossem bons, davam-se num blog (#5)

(fonte aqui)

Instantâneo #8

Quando o sol adormece, o rio desperta e vive. Deixa de ser superfície espelhada a reflectir os outros, é emanação. Brilha de dentro para fora numa tonalidade macia, opalina, e torna-se espesso, melífluo. É a cor mais bonita que conheço, a cor do meu silêncio. Tudo se aquieta em mim quando olho o rio ao pôr do sol.

Recado #8

(fonte aqui)

Folhas

Meti a mão no bolso do casaco e ela regressou cheia de pedaços de papel amarrotados. Palavras amachucadas, feridas de esquecimento. Escrevo onde calha, onde e quando consigo agarrar as palavras. Mas deixo-as secar dentro de cadernos e livros, dentro da roupa, das gavetas, debaixo das almofadas. Quando a mão sai do bolso, as palavras são já cinza de mim. Gostava de te escrever nas folhas das árvores; escrever-te uma palavra nova por cada nova folha. Quando chegasse o Outono, o vento levá-las-ia até à tua porta, e tu farias uma história com elas. Para ler-me através de ti.