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Mensagens

A mostrar mensagens de abril, 2015

Da disposição #7

(fonte aqui) Quieta por fora e em movimento por dentro. Equilíbrio desejado.

Instantâneo #10

Um pássaro veio e pousou no parapeito da minha janela. Do lado de fora olhou para mim, dentro do vidro. A cabeça pequenina mudava de posição como um ponteiro de relógio a passar minutos; olhava-me de todos os ângulos como se não estivesse a entender. Que fazes aí? Porque não voas? Parecia conhecer-me por dentro e não me reconhecer por fora, neste corpo preso ao chão, dentro de uma gaiola de pedra. Antes de voar olhou-me nos olhos e com eles disse: Transforma-te .

Do amor pelos livros

(fonte aqui) I could never have dreamt that there were such goings-on in the world between the covers of books,  such sandstorms and ice blasts of words,,,  such staggering peace, such enormous laughter,  such and so many blinding bright lights,, , splashing all over the pages in a million bits and pieces all of which were words, words, words, and each of which were alive forever in its own delight and glory and oddity and light. Dylan Thomas

Poema à noite

Ela penteia o seu cabelo como se penteia o dos mortos: traz os cacos azuis debaixo da camisa. Traz os cacos do mundo num cordão. Ela sabe as palavras mas limita-se a sorrir. Mistura o seu sorriso no cálice de vinho: tens de o beber, para estar no mundo. Tu és a imagem que os cacos lhe mostram quando ela, pensativa, se inclina sobre a vida. Paul Celan

Música para o dia

Breve divagação #5

Procurei sob os papéis, no espaço entre os livros. Vasculhei a desarrumação das gavetas. Levantei com cuidado as camadas do silêncio nocturno.  Não me encontrei em lugar nenhum. Talvez esteja sentada naquela cadeira à janela, a olhar a árvore lá fora no jardim. No lugar fora do tempo. És sempre tu quem me leva a esses lugares. Porquê, não sei.

Recado #14

(fonte aqui)

Coisas de que gosto #2

Gosto do barulho do comboio a passar lá ao fundo, lá em baixo ao pé do rio. Gosto de caminhar na cidade velha. Dos prédios antigos, de lhes notar os pormenores. De sentir a Primavera na primeira brisa morna. Gosto do tom verde das primeiras folhas das árvores nos troncos quase negros. De as ver acenar. Gosto de respirar a cidade.

Da beleza #11

(fonte aqui)

Life story

Vou contar uma história. Havia uma rapariga que era maior de um lado que do outro. Cortaram-lhe um pedaço do lado maior: foi de mais. Ficou maior do lado que era dantes mais pequeno. Cortaram. Ficou de novo maior do lado que era primitivamente maior. Tornaram a cortar. Foram cortando e cortando. O objectivo era este: criar um ser normal. Não conseguiam. A rapariga acabou por desaparecer de tão cortada nos dois lados. Só algumas pessoas compreenderam. Herberto Helder , in Photomaton & Vox

Poema para a noite #2

Para afastar as eternas tristezas do mundo, demoremo-nos bebendo centenas e centenas de taças. Uma Lua tão clara não nos deixa dormir, numa noite tão serena apetecem as palavras puras. Quando a embriaguez chegar adormeceremos na montanha selvagem, o céu por cobertor, a terra por almofada. Li Bai , in  Poemas

Da beleza #10

Mitos comogónicos da Índia Antiga em ilustração

Música à noite #10

Música para a noite #2

Da beleza #9

(fonte aqui) (fonte aqui)

Da escrita #2

Ah, a folha em branco! Daí (do lado de lá do salto no tempo), não se nota, que mal ou bem já está preenchida. Mas deste lado, esta desértica alvura faz-me pensar nas virgens entregues aos sacrifícios. Será válido matar a simplicidade primitiva e genuína em favor de uma mensagem? Será ela mais importante, ou cortamos cerce a coisa mais valiosa? Repare-se:  é mais importante uma visão escrita, ou a imensidão delas inominadas? Para quem ama tanto a leitura (e logo, a escrita) como eu, escrever  isto é algo doloroso, mas pergunto-me se no fim, a escrita não será um deus menor. Um espelho do humano, sim, mas em nada comparável à fala de deuses que se manifestam na alvura do silêncio. Silêncio , o espaço entre duas palavras, dois sons. Aquilo que os une, a subtileza que solda os alicerces do nosso mundo. Lugar de segredos e mistérios para mortais. O lugar de tudo . Há tendência para preenchermos o vazio (mas não está já ele cheio?). Talvez seja a nossa solidão a fala

Breve divagação #4

Bate-se de leve à porta que se esperava aberta. Nenhuma resposta. Nem sons nem silêncios que façam ver os desenhos das palavras. Os dedos contraem-se mas o único barulho é o toque deles na madeira - toc toc ____ toc toc ___ toc toc toc toc - som átono a ecoar no vazio. Permaneço sentada no degrau da entrada, como que perdida de mim. Não sei em que mundo vivo quando o não consigo nomear.

Recado #13

Deitei-me no chão e não é fácil. É preciso ter sido queimado por muitos nomes, ter esquecido e relembrado a delicadeza, o sangue, a ironia, paisagens e transmutações, as formas, as vozes. Como se pudéssemos existir sem qualquer herança, com a fortuna apenas de um tesouro criado pela solidão. Deitado na terra, respiro contra o chão vivo; e como estou com a cara muito junto ao chão, o sopro bate na terra e volta-me à cara. É ainda assim uma bela coragem. Herberto Helder , in Photomaton & Vox

Poema para a noite

Dois corpos que se aproximam e crescem e penetram na noite de sua pele e seu sexo. Duas escuridões enlaçadas que inventam na sombra sua origem e seus deuses, que dão nome, rosto à solidão, desafiam a morte porque se sabem mortos, derrotam a vida porque são sua presença. Diante da vida, sim, diante da morte, dois corpos impõem realidade aos gestos, braços, coxas, húmida terra, vento de chamas, tanque de cinzas. Diante da vida, sim, diante da morte, dois corpos conjuraram obstinadamente o tempo, constroem a eternidade que se lhes nega, sonham para sempre o sonho que os sonha. Sua noite repete-se num espelho negro. Juan Luis Panero

Recado #12

Les vrais miracles font peu de bruit. Antoine de Saint-Exupéry

(parêntesis) #9

(fonte aqui) Só quando as palavras regressarem. Hoje estou sozinha.

Pedaços de mim na fala dos outros #13

 Até quando pode a memória, e quanto pode, sou o actor e o espectador cúmplice de uma vida perturbada, dramática e irónica. O pouco que percebo dessa massa teatral caótica pode inscrever-se na pauta de uma interpretação menor. Não compreendo nada. Herberto Helder , in Photomaton& Vox