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Da escrita #2

Ah, a folha em branco!

Daí (do lado de lá do salto no tempo), não se nota, que mal ou bem já está preenchida.
Mas deste lado, esta desértica alvura faz-me pensar nas virgens entregues aos sacrifícios.
Será válido matar a simplicidade primitiva e genuína em favor de uma mensagem? Será ela mais importante, ou cortamos cerce a coisa mais valiosa?

Repare-se:  é mais importante uma visão escrita, ou a imensidão delas inominadas?
Para quem ama tanto a leitura (e logo, a escrita) como eu, escrever isto é algo doloroso, mas pergunto-me se no fim, a escrita não será um deus menor.
Um espelho do humano, sim, mas em nada comparável à fala de deuses que se manifestam na alvura do silêncio.
Silêncio, o espaço entre duas palavras, dois sons. Aquilo que os une, a subtileza que solda os alicerces do nosso mundo. Lugar de segredos e mistérios para mortais. O lugar de tudo.

Há tendência para preenchermos o vazio (mas não está já ele cheio?). Talvez seja a nossa solidão a falar, a nossa procura de e em nós mesmos; quando nos encontrarmos realmente, talvez nos calemos.
Talvez se escreva para um dia deixarmos de o fazer.

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